segunda-feira, 13 de abril de 2009

longe vão os cus de judas

Não gosto de despedidas mas sei reconhecer uma boa quando a vejo. E a do António é boa! Discreta e poderosa. Vai-nos deixando com pequenos avisos, ou grandes.
Leio uma vida que se fecha devagar. Volta a si, ao pequeno António, às tias, à prima Ana Maria, ao arquipélago da insónia onde, como Juan Rulfo, o vejo encontrar-se com os mortos, tornando-os vivos numa memória que se perde.
Reconheço no seu aceno, a paz de quem já quase tudo cumpriu. “Só mais dois livros”, avisa. Perversa espera esta, de quem deseja a história que será a última.

Sento-me com o António e regresso sem aviso a páginas de memórias. Vejo as minhas personagens esbatidas encherem-se da intensidade da paixão. Entram pela janela do sótão, sentam-se à mesa, desfazem-me a cama, estrelam ovos no meu fogão, invadem a minha vida. Gritam palavras que não compreendo mas que transporto na palma da mão, como especiarias raras de reinos longínquos. Deixo-as cair suavemente e vejo-as transformadas em pensamentos que deslizam entre notas, bagos e cores, sem pressa. De repente, sou de novo caneta cheia de tinta entre dedos nervosos, e deixo-me ir nesta viagem nova. A palavra tem a cor dos amantes e vai onde a morte não chega.

Re
equipo a mochila para a outra etapa e deslizo pela noite escura.

Ao António, um sorriso. Aceito a partida quando tiver de ser.

2 comentários:

manuela baptista disse...

ao António digo não entres tão depressa nessa noite escura porque este vício das palavras é tão vivo que partir parte-se sempre em cada esquina e os arquipélagos dormem de olhos abertos para não acordar o pássaros

Seja bem vinda Mirtillo!

Manuela Baptista

Sofia M disse...

à Manuela digo obrigada pelo sotão com que me encheu as memórias

um beijo