segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

a mulher, na sala e na cozinha

Estava entretida a abrir uma ostra quando me saiu a pérola do verdadeiro sentido da modernidade na existência feminina. Veio vestida de Rosa Maria e obrigou-me a calar a arrogância da intelectualidade das palavras escolhidas. No último dia do ano não poderia ter encontrado melhor mensagem para os que persistentemente enchem de comentários esta página virtual. Mais do que uma mensagem, deixo uma partilha: as palavras de Rosa Maria são o exemplo da sabedoria tornada espaço público, livre como abril!
Nem outras palavras nos definiriam tão bem como povo, nem haveria modo mais subtil de se proclamar mulher, mãe, enfermeira!

Reservo as palavras de Rosa Maria enquanto branqueio os espargos. Escutai-as:


Do vinho
Do abuso do vinho, têm resultado terríveis enfermidades, como o delirium tremens, a loucura, doenças do fígado, etc., e não menor número de desordens e desgraças de ordem moral, que têm levado muitos homens ao degredo, à penitenciária e ao patíbulo. Convém portanto, beber-se o vinho em porção racional, unicamente às horas das refeições, pois que, deste modo, alimentando, é ao mesmo tempo um útil excitante (…)"

Da bebida branca
"Se o vinho, bebido em condenável excesso, pode e tem produzido frutos desgraçados de ordem física e moral, as bebidas brancas, por seu turno, têm dado aos hospitais, aos cemitérios e às prisões, um contingente horroroso. A bebida branca, inimiga implacável da economia animal, é, contudo, às vezes proveitosa: no mar, por exemplo, ou depois de um aguaceiro em que o vestuário não pode ser imediatamente substituído; mas toda a bebida redundará em prejuízo, quando o uso que dela se fizer for imoderado."
Maria, Rosa (1961?) in A cozinheira das cozinheiras: higiene alimentar e mais de 500 receitas para cozinhar, fazer doces, gelados, compota, etc. Livraria Civilização Editora, 34ª edição, Porto. Pp13



Com estas duas notas, que tomei a ousadia de transcrever, resta-me despedir de 2007 com a certeza de que, quase todas as respostas que procuramos, por vezes com angústia, estarão algures pousadas em camas de massa filo, estaladiças, tranquilas na sua espera. Resta-nos a coragem de as trincarmos!

(este post é dedicado a todos os que me encheram a árvore de livros de cozinha e mantêm a coragem de se tornar cobaias)

domingo, 18 de novembro de 2007

serei eu, serei eu....

As imagens agora disponíveis neste blogue - já assumido como um espaço de reflexão nacional, a avaliar pelo sucesso da participação na sondagem anterior -, vêm na sequência da premente preocupação com a actual definição da mulher moderna. É um pequeno exemplo do esforço, dedicação e, quase sempre, eficaz capacidade de transformação de que se reveste a rapariga que se quer mulher moderna.


Neste excerto, terão oportunidade de reparar na subtileza com que são introduzidos os princípios básicos de que se reveste a modernidade de género: a meia, a nudez suave da perna, a maraca, a sensualidade no sorriso, e...a hérnia, também ela presente como catalisador imprescindível à grandiosidade do movimento.



As palavras de Lola Ventana remetem-nos à génese do festival da canção e trazem-nos de volta os glamorosos dias do concurso nacional.



Partilho-o com o prazer de quem tira o buço, se depila com regularidade e não tem bimby. No fundo de quem se quer uma mulher moderna.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Sherlock quê?

Serve esta singela nota para aliviar a dor de todos os que julgavam morto este blogue. E são muitos. Mas tímidos.

Estive a banhos, como se diz. Mas os banhos, na verdade, foram poucos e custosos. A água muito fria, a areia muito mole, a alforreca sadina sempre a espreitar, a competir com o sr. belmiro, esse sim, em todo o lado.

Mas não há nada como voltar, seja lá para onde for!

Estava distraída a lavar a loiça quando me atiraram um saber. Agarrei-o, num golpe perfeito de instinto e experiência - que me trará agruras discais, pois já sabemos - mas que é ainda o modo como me defendo dos traumatismos que arremessos destes, podem provocar.

Era um saber empírico. Daqueles cada vez mais raros, dos baseados na labuta persistente entre e teoria e a verificação. Sentei-me para o ouvir com cuidado, não fossem as palavras sábias atraiçoadas pela cera rebelde. E assim assisti, quase sem respirar, ao nascimento de uma nova ciência, a Bolicaologia.

A Bolicaologia baseia-se nos princípios básicos da observação directa e do método dedutivo, e o sucesso da sua aplicabilidade foi demonstrada no caso dos ladrões de Viseu. Um homem, que muitos terão pensado ser apenas um como tantos outros proprietários de snack bar nacional - subtil medida de diversão só descoberta por curiosos atentos que sabem que não existe boteco nacional que não tenha uma sande, mesmo que do dia anterior! -, explicou:

“ eu vi-o entrar, pediu-me uma sande, eu disse que não tinha. Só bolicao. Ele então disse que queria o bolicao e eu vi logo, pela maneira como agarrava no bolicao, que o gajo não era bom. Depois pediu outro bolicao e eu até disse para os outros clientes, opá vocês não me deixem aqui com este gajo, que o gajo é ladrão”

Reparai como, numa repetida manobra de inteligência a que nos habituamos cada vez mais, deitámos fora o courato, sacámos a matéria-prima aos hermanos e demos-lhe um uso digno da Science…

Qual corpo, qual arma do crime, o que interesse é o modo como se ataca o bolicao. Pergunto-me se também resultará em línguas estrangeiras…

domingo, 1 de julho de 2007

Um blogue é um blogue e quem tem blogue tem capote.

A vida desde que tenho um blogue não é a mesma. Sou outra. Enxugo as dores cervicais, sacudo as lombares e passo a ferro alguns conflitos que arrumo com cuidado na gaveta das colchas. Um destes dias tiro-os e ponho-os ao ar.
Agora saio de casa com um blogue no bolso. E quando me aborrecem muito, ou mesmo um bocadinho, oiço-o rir-se. Um blogue cola-se a nós como uma tatuagem. Levamo-lo para todo o lado, e nem sempre é discreto. E quando já o integrámos como a pele, alguém olha de novo e ele revitaliza-se. Transforma-se, muda de tom e sopra autónomo.

Poderia ter sido um cão ou um cisne, ou um choco (um dia quis ter um choco, mas confrontei-me com a dificuldade de os apanhar à cana e os do jumbo mexem-se pouco). E um blogue não tem interdições. Não há dísticos com “proibida a entrada a blogues” ou “zona livre de blogues” e ninguém pergunta se o quarto é para portadores de blogue nem nunca tive de ouvir “desculpe, mas mesa para portadores de blogue só junto à casa de banho”. O que confesso, não vejo nada de errado. Ele há jantar mais belo do que aquele em que estando com pessoa que amamos, ainda temos a oportunidade de saber, dos presentes, quem tem urgência urinária (ou mesmo outra, dependendo de quão próximo falamos) ou simplesmente dirigir um olhar interrogativo para quem acaba de sair? É que há sempre um ligeiro constrangimento no olhar de quem evacua em espaço público. O que também é curioso, porque não se detecta o mesmo no olhar de quem cheira duas linhas, ou meteu os dedos na garganta. O que me leva a pensar que é mais fácil admitirmos uma adição que uma diarreia… Humm…. O que nos traz de novo a mais uma das vantagens de quem tem um blogue: é que consegue transformar uma conversa de merda num tema de doutoramento!

terça-feira, 26 de junho de 2007

a importancia de se chamar ernesto

Hoje acordei com um problema colado ao pé. Não reparei nele quando me deitei, mas se não estava, veio de longe.

Puxei pela ponta, devagar para não doer, e olhei-o de frente. Gostava de o ter posto num saco de papel amarelo, etiquetá-lo e dizer “ Bonasera leva para o laboratório”, mas não tinha nada disso e daí tê-lo olhado de frente.

Reconheci-o no minuto seguinte. O estupor. Atrevido, assim coladinho ao pé para não se dar por ele. Era o Primeiro Nome. Lá estava ele, a rir-se, juntinho ao outro, àquele que eu uso.

Peguei nele, dobrei-o em quatro, depois em oito, muito devagar para saborear o prazer ilusório da vitória. Meti-o num envelope e escrevi:

Mr Kairu Yakamaki
22 Constable Rd Waiuku Pukekohe
WAIUKU

Colei o selo e sorri. Até logo.

domingo, 24 de junho de 2007

O que faz a Ana no camarim da Ninón?

Pergunto-me quantas desilusões cabem na vida de uma pessoa. Quantas? Cem? Mais de mil? Um milhão? Devíamos vir com um cartão de pontos como no sistema de carta de condução espanhol. À partida cada um vinha equipado com uma caderneta de pontos de desilusão.

Imaginemos….Cinco mil. O que, vivendo em média 78 anos (porque somos portugueses e comemos azeite, sardinhas e criamos anticorpos com sanduíches de coiratos), daria uma média de cinco desilusões por mês. Mas ao contrário das cartas, não nos interessaria nada guardar os créditos para o fim. Para quê ter pontos se não nos vamos lembrar da desilusão?

E é na adolescência que sai o jackpot – ele é a descoberta de que os pais gostavam de Simon & Garfunkel, que a Maria gosta do Manuel que gosta da Joana que gosta da Margarida, que Portugal insiste em participar no Festival da Canção, e por aí fora. É quase um por dia. E sem ser preciso sair de casa porque as grandes infracções vêem de dentro. A gestão caberia a cada um, obviamente e se quisessem gastar todos nos primeiros vinte anos, podiam. E até aos 65 poderiam ganhar novos pontos se conseguissem passar três ou quatro anos sem uma única desilusão, mesmo que pequenina.

Mas afinal o que é que ganharíamos em perder pontos? E aí é que está a beleza perversa do sistema e à qual os castelhanos são totalmente insensíveis: o que nos tiraria de créditos, ganharíamos em tema de conversa! Ninguém consegue aguentar um diálogo verdadeiramente português sem uma desgraça ou uma boa desilusão: e melhor do que uma multa por excesso de velocidade, só mesmo um sentido luto por uma ilusão. Experimentem manter uma conversa em que afirmam ser perfeitamente natural que a Lili Caneças use tops na corrida contra o cancro da mama, porque o contrato com a Corporacion exige que em aglomerações com mais de 5 pessoas (ou menos, se uma delas se fizer acompanhar por um qualquer tipo de instrumento de captação de imagem), tenha que mostrar a ligação pescoço-resto-do-corpo. Viram a reacção? Afastaram-se não foi? Porque o assunto assim reflectido é duma frieza sem graça e sem ponta de continuidade…. Agora voltem atrás e digam “ ai, nunca pensei que a sra d Lili tivesse a ousadia de usar um top numa corrida das mamas em que vai tudo tapadinho de lilás…, uma senhora tão distinta “, etc. etc. Nesta frase estão presentes algumas das principais expressões imprescindíveis à boa conversa portuguesa: o “ai” que pode ser procedido de “meu Deus” (ou variante feminina “minha nossa Senhora”, ou variante agnóstica “já viram isto?”), o “nunca pensei”, que prova de modo inequívoco, a utilização de pelo menos uma capacidade cognitiva e daí ser preferível ao “nunca esperei” que é mais abstracto e pode conter uma série de premissas a que o interlocutor é alheio. E por fim, a “Lili” , o alterego nacional ou a vitória da juventude lusitana sobre a subtil invasão castelhana.

Por fim, para que o sistema fosse justo, as desilusões causadas por outrem não seriam contabilizadas. Ou seja, e recorrendo a um exemplo recente: uma vez não votante em Sócrates, jamais (reparem que não está em itálico, é mesmo em português) uma penalização ou suspensão de funções de utilizador do cartão de pontos. Não seria possível ser-se penalizado duas vezes pela mesma desilusão. Personifiquemos: eu não votei Sócrates mas ele ganhou, tive a primeira desilusão porque inadvertidamente ponderei um país com melhor representação. Aqui sim, seria aplicada a merecida penalização: perda de pontos e consequente integração nas classes de diálogo à portuguesa (ver acima). Mas a partir daqui, já não poderia ter outras desilusões penalizáveis uma vez que tudo o que viesse estaria inicialmente contemplado naquele quadrado que não assinalei. A não ser que caísse na insensatez de acreditar numa oposição forte e coerente! Castigo, castigo, castigo!

E com isto, e retomando a tradicional competição ibérica, eles tiravam-nos as rugas e nós subvertíamos-lhes o sistema, heim?

Estou contente com a ideia. Ora, quantos puntos me faltam.., um, dois, três….