sábado, 1 de novembro de 2008

da simples arte de mudar

Estava a ralar o gengibre quando um desafio me rasgou a pele. Cravou-se e gritou: "o que mudaria na minha rotina diária". Vinha com remetente e instruções subliminares: "olha, mandei-te um desafio... um d e s a f i o, percebes? é para continuar, 'tás a ver...?".
Diz quem entende destas coisas, que um blogue deve estar sempre em movimento e que "blogue parado é blogue estragado". Tem qualquer coisa a ver com a prevenção de doença coronária.
Juntei os dois. Peguei no desafio, sacudi-lhe o pó da viagem, sentei-o ao balcão da cozinha e servi-lhe uma caipirinha para ganhar tempo... Enquanto esmagava as limas, enumerei:

- mudava a cor do asfalto: fazia-o reflectir o céu;


- trocava o tempo em que faço coisas que me aborrecem, por horas e horas a encher de palavras as folhas dos dias vazios;

- definitivamente, mudava o primeiro-ministro. À falta de opções nacionais, importava o espanhol, com todo o seu governo;

- na sequência do anterior, exportava a líder da suposta oposição (estou convencida de que é paga pelo próprio PM para emitir aquele discurso) para o Alasca. Punha-a numa caixinha, atava-lhe um laço, e enviava-a ao cuidado de sarah palin com o aviso "sem devolução";

Deixei o desafio sorver o resto de velho barreiro, pu-lo no chão e enviei-o para
outras paragens. Oxalá tenha mais sorte.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

My grandmother had a farm in Africa.

E um hotel. E filhos. E netas. E cães com nomes de rios. E rondas nocturnas, de espingarda na mão. Mas não escreveu um livro. Nem teve o robert redford (embora quanto a isso não possa afirmar com toda a certeza, porque existem partes nas vidas das nossas avós que não nos pertencem).

Teve, nos últimos 40 anos, uma relação privilegiada com Deus. Escolheu mudar de religião, aplicou-se no seu estudo, na prática e em viver essa relação com prazer. Sei que se não estiver ocupada com o jardim, estará a conversar com o seu melhor Ouvinte. Vejo-a até a discutir algumas das tácticas do anterior Adversário, de um jogo que foi sério, e nem sempre justo, para ambos os lados (aqui para nós, Deus, aquela penúltima prova, o cancrozinho aos 99, era dispensável. Mas também Te deu trabalho... e no fim, sei que reconsideraste). Vi, no último sorriso que lhe imaginei, um traço leve de reconciliação.

De todas as relações, a dela com Deus foi a que ficou até mais tarde, na sua memória. Deixo a mensagem para aqueles que possam ter ideias... e arrisco um pequeno excerto ilustrativo, não vá a dúvida pairar:
"Diga-me, minha senhora, a sua mãe também mora aqui?", pergunta a minha avó à filha, em versão passa-me-o-sal, enquanto almoçavam na casa onde viviam.
“Sim, sim!", responde a filha, a pensar que longe iam os anos em que achava "a Mamã, um bocadinho esquecida"...
"E como está a sua mãezinha de cabeça?" - continuou a minha avó, sem aviso prévio.
"Um bocadinho esquecida", responde a minha mãe, no alto da sua formação prática contínua, sabendo que "não se deve mentir".
"Ai, coitadinha. Eu mesmo assim, graças a Deus, de cabeça estou muito bem!", rematou, sem espaço para defesa.

Os últimos anos foram vividos assim, num estado de levitação (chamo-lhe eu), em que a realidade deixa de ser construída na nossa relação, mas passa a ser partilhada de outra forma. Transformamo-nos em meros recolectores de informação. Ecopontos da memória. Recebemo-la como se apresenta, às vezes lisa e limpa, outras vezes gordurosa e escorregadia, e temos como função reaproveitá-la, conscientes de que não regressará à sua forma original.

Mas perguntem, e Deus? Deus ficou! Até ao fim! Quando já tinha desaparecido a preocupação em voltar para casa do pai, quando já só havia energia para respirar, ao seu salmo preferido "O Senhor é o meu Pastor", vinha, não sei de onde, um sopro que se transformava em palavras "nada me faltará"!
Pois é, meus amigos, Deus ficou com ela até ao fim e veio ao funeral!

À pergunta da agente funerária: "A Avozinha deixou alguns bens?", reformulo aqui a resposta: "Sim, um cesto com Deus"

Até logo, Vó.

à avó Alice, para quem não ter chegado aos 100 não foi surpresa, foi atitude.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

da polónia com amor

"Porque não escreves, agora que já te despediste de um dos cinco empregos?", perguntam-me as duas amigas que me lêem, em dias alternados. Respondo que é por falta de tempo, não querendo assumir a minha maior dificuldade: a de superar as palavras de rosa maria! Sinto-as cravadas na pele, como piercings enferrujados. Nem mais uma gota de álcool entrou neste corpo, sem um intrínseco sabor a culpa. E a loucura. E a grandes enfermidades. Mas, na verdade, tudo na vida se move. E também as palavras se mexem e saltam e mudam e chegam de onde menos se espera.

Desta vez, vieram de muito longe, sob a forma de flecha que se cravou no meu telemóvel. A mensagem vinha assim, vestidinha de pirosa, e gritou: "Hello.iam in polish final to EUROVISION.23 february. keep your fingers cross.You can listen my new song at dabliu dabliu dabliu... " (mantenho-me como me mandaram: escrevo com os anelares e mindinhos).

Tão sábias como as notas de rosa maria, atentai ao poder da palavra escondido por trás da canção ligeira (escutai) .

Nigdy się nie dowies
zczego szukasz
Czy możesz dotknąć mego serca
jeśli nie masz żadnej miłości?
Powiedz mi dlaczego
Marnujesz czas
Masz tak dużo
Masz moją miłość
...moją miłość

Pego nas folhas de espinafre acabadas de escolher e passo-as por água fria...