terça-feira, 26 de junho de 2007

a importancia de se chamar ernesto

Hoje acordei com um problema colado ao pé. Não reparei nele quando me deitei, mas se não estava, veio de longe.

Puxei pela ponta, devagar para não doer, e olhei-o de frente. Gostava de o ter posto num saco de papel amarelo, etiquetá-lo e dizer “ Bonasera leva para o laboratório”, mas não tinha nada disso e daí tê-lo olhado de frente.

Reconheci-o no minuto seguinte. O estupor. Atrevido, assim coladinho ao pé para não se dar por ele. Era o Primeiro Nome. Lá estava ele, a rir-se, juntinho ao outro, àquele que eu uso.

Peguei nele, dobrei-o em quatro, depois em oito, muito devagar para saborear o prazer ilusório da vitória. Meti-o num envelope e escrevi:

Mr Kairu Yakamaki
22 Constable Rd Waiuku Pukekohe
WAIUKU

Colei o selo e sorri. Até logo.

domingo, 24 de junho de 2007

O que faz a Ana no camarim da Ninón?

Pergunto-me quantas desilusões cabem na vida de uma pessoa. Quantas? Cem? Mais de mil? Um milhão? Devíamos vir com um cartão de pontos como no sistema de carta de condução espanhol. À partida cada um vinha equipado com uma caderneta de pontos de desilusão.

Imaginemos….Cinco mil. O que, vivendo em média 78 anos (porque somos portugueses e comemos azeite, sardinhas e criamos anticorpos com sanduíches de coiratos), daria uma média de cinco desilusões por mês. Mas ao contrário das cartas, não nos interessaria nada guardar os créditos para o fim. Para quê ter pontos se não nos vamos lembrar da desilusão?

E é na adolescência que sai o jackpot – ele é a descoberta de que os pais gostavam de Simon & Garfunkel, que a Maria gosta do Manuel que gosta da Joana que gosta da Margarida, que Portugal insiste em participar no Festival da Canção, e por aí fora. É quase um por dia. E sem ser preciso sair de casa porque as grandes infracções vêem de dentro. A gestão caberia a cada um, obviamente e se quisessem gastar todos nos primeiros vinte anos, podiam. E até aos 65 poderiam ganhar novos pontos se conseguissem passar três ou quatro anos sem uma única desilusão, mesmo que pequenina.

Mas afinal o que é que ganharíamos em perder pontos? E aí é que está a beleza perversa do sistema e à qual os castelhanos são totalmente insensíveis: o que nos tiraria de créditos, ganharíamos em tema de conversa! Ninguém consegue aguentar um diálogo verdadeiramente português sem uma desgraça ou uma boa desilusão: e melhor do que uma multa por excesso de velocidade, só mesmo um sentido luto por uma ilusão. Experimentem manter uma conversa em que afirmam ser perfeitamente natural que a Lili Caneças use tops na corrida contra o cancro da mama, porque o contrato com a Corporacion exige que em aglomerações com mais de 5 pessoas (ou menos, se uma delas se fizer acompanhar por um qualquer tipo de instrumento de captação de imagem), tenha que mostrar a ligação pescoço-resto-do-corpo. Viram a reacção? Afastaram-se não foi? Porque o assunto assim reflectido é duma frieza sem graça e sem ponta de continuidade…. Agora voltem atrás e digam “ ai, nunca pensei que a sra d Lili tivesse a ousadia de usar um top numa corrida das mamas em que vai tudo tapadinho de lilás…, uma senhora tão distinta “, etc. etc. Nesta frase estão presentes algumas das principais expressões imprescindíveis à boa conversa portuguesa: o “ai” que pode ser procedido de “meu Deus” (ou variante feminina “minha nossa Senhora”, ou variante agnóstica “já viram isto?”), o “nunca pensei”, que prova de modo inequívoco, a utilização de pelo menos uma capacidade cognitiva e daí ser preferível ao “nunca esperei” que é mais abstracto e pode conter uma série de premissas a que o interlocutor é alheio. E por fim, a “Lili” , o alterego nacional ou a vitória da juventude lusitana sobre a subtil invasão castelhana.

Por fim, para que o sistema fosse justo, as desilusões causadas por outrem não seriam contabilizadas. Ou seja, e recorrendo a um exemplo recente: uma vez não votante em Sócrates, jamais (reparem que não está em itálico, é mesmo em português) uma penalização ou suspensão de funções de utilizador do cartão de pontos. Não seria possível ser-se penalizado duas vezes pela mesma desilusão. Personifiquemos: eu não votei Sócrates mas ele ganhou, tive a primeira desilusão porque inadvertidamente ponderei um país com melhor representação. Aqui sim, seria aplicada a merecida penalização: perda de pontos e consequente integração nas classes de diálogo à portuguesa (ver acima). Mas a partir daqui, já não poderia ter outras desilusões penalizáveis uma vez que tudo o que viesse estaria inicialmente contemplado naquele quadrado que não assinalei. A não ser que caísse na insensatez de acreditar numa oposição forte e coerente! Castigo, castigo, castigo!

E com isto, e retomando a tradicional competição ibérica, eles tiravam-nos as rugas e nós subvertíamos-lhes o sistema, heim?

Estou contente com a ideia. Ora, quantos puntos me faltam.., um, dois, três….