terça-feira, 28 de abril de 2009

uma pausa no elevador

Ouvi um zumbido por trás da porta. Abri-a devagar e espreitei. Era um beijo.
Vinha assim pela janela, sem pressa, sem nome, sem remetente. Aceitei-o.


Gosto dos beijos soltos, descomprometidos. Beijos que aquecem os lábios nos dias frios de uma primavera indecisa, e que se descobrem num sabor que se dissolve devagar. Este tinha o gosto da baunilha no topo de um éclair.

terça-feira, 21 de abril de 2009

agora que salvei o blogue da morte quase certa, sou responsável pela sua vida

Tenho andado às voltas com esta coisa da memória. Não a que se estuda mas a que se sente. Aquela que vem em pacotinhos e se prende ao tornozelo. Às vezes solta-se e perde-se, outras vem por correio. Aconteceu-me isso.

Um dia, a caminho da adolescência, perdi-a. Olhei para trás e nada. Nem um lugar, nem uma cara, nem um cheiro, nem um pêlo arrepiado numa qualquer lembrança. Nada!
Sentia-me livre para o futuro como um papel em branco que se voluntaria para se encher de palavras mais ou menos grandes.

Passei anos a colar-lhe substantivos, verbos, advérbios, adjectivos, construções gramaticais verosímeis, tempos e artigos que em desespero procuravam ligar histórias. As palavras corriam de beijo em beijo ao sabor das descobertas, cada vez mais conhecidas. As dores que pareciam arrancar as entranhas desapareciam no dia seguinte e a pele cobria-se de novo de laranjeiras de gosto suave que se ofereciam sem grande resistência. Tudo parecia acontecer entre o hoje e o agora. Constrói-se a memória num jardim que às vezes se esquece de regar, e colhem-se as flores sem lhes dar nome.

A adolescência não precisa da memória - tem pernas, braços, dedos longos que chegam onde as palavras não cabem.

Olho de novo o embrulho que, incrédula, seguro nas mãos. Sopro e abre-se em folhas claras, pouco nítidas, sucalcadas pelas gotas de chuva quente de um país que não recordo mas que se cola à minha pele numa tatuagem teimosa.
O pacote solta-se das mãos. Tento agarrá-lo e vejo-me a dar nome às nuvens, a comer gelados num sítio que não existe e a colorir memórias com lápis de cor.

Deve ser isso, penso. As memórias são bocadinhos de papel desenhado a preto que se vão preenchendo com as cores que se sente.
Que importa se existimos nelas.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

longe vão os cus de judas

Não gosto de despedidas mas sei reconhecer uma boa quando a vejo. E a do António é boa! Discreta e poderosa. Vai-nos deixando com pequenos avisos, ou grandes.
Leio uma vida que se fecha devagar. Volta a si, ao pequeno António, às tias, à prima Ana Maria, ao arquipélago da insónia onde, como Juan Rulfo, o vejo encontrar-se com os mortos, tornando-os vivos numa memória que se perde.
Reconheço no seu aceno, a paz de quem já quase tudo cumpriu. “Só mais dois livros”, avisa. Perversa espera esta, de quem deseja a história que será a última.

Sento-me com o António e regresso sem aviso a páginas de memórias. Vejo as minhas personagens esbatidas encherem-se da intensidade da paixão. Entram pela janela do sótão, sentam-se à mesa, desfazem-me a cama, estrelam ovos no meu fogão, invadem a minha vida. Gritam palavras que não compreendo mas que transporto na palma da mão, como especiarias raras de reinos longínquos. Deixo-as cair suavemente e vejo-as transformadas em pensamentos que deslizam entre notas, bagos e cores, sem pressa. De repente, sou de novo caneta cheia de tinta entre dedos nervosos, e deixo-me ir nesta viagem nova. A palavra tem a cor dos amantes e vai onde a morte não chega.

Re
equipo a mochila para a outra etapa e deslizo pela noite escura.

Ao António, um sorriso. Aceito a partida quando tiver de ser.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Pequeno aviso

Este blogue não está morto: está em período de reflexão. Hibernou. A condizer com a época, entrará em funcionamento no Domingo. Ou segunda