quarta-feira, 13 de maio de 2009

Plic ploc

Ia tranquila pela vida quando tropecei num bocado de mim. Era cor-de-rosa, o que estranhei; não uso essa cor na minha pele. Olhei-a espantada. Pareceu-me vagamente familiar.

Era a parte esquecida.

Estava envolta em alcatrão, de tanto rebolar por uma estrada qualquer. Peguei nela com alguma estranheza, confesso. Sacudi-lhe o pó acreditando encontrar uma qualquer referência, tipo número de motor. Precisava de saber de onde vinha. Vi uma pequena janela num dos topos e espreitei. Ao princípio tudo escuro, pouco definido. Depois o olho acostumou-se à escuridão do passado e desenhou as curvas dos sonhos esquecidos. Ali estavam elas, as ideias do que deveria ter sido. Inquieta, soprei. Não se mexeram. Firmes, mostravam-me soberbas, que o poder das ideias não desaparece na brita. Voltam sempre, às vezes pelo chão, outras aterram-nos em cima com a brutalidade de um traumatismo craneano. Mudamos ao sabor da vontade das crianças esquecidas, não antes, nem depois.

Pus a parte de mim por debaixo do braço e afaguei-a. Não sei onde a voltar a pôr, mas sei que já não poderei continuar a viver sem ela.

terça-feira, 12 de maio de 2009

batem leve, levemente

Recebo pelo correio uma carta de amor. Não tem remetente, mas o meu nome pisca num néon ordinário.
Abano-a e soltam-se pequenas letras que se formam em frases mais ou menos compridas, daquelas que acabam em vem.
Apago algumas só pelo prazer de as imaginar escondidas por entre linhas. Da frase fica: "quero-te neste lugar, que ocupas sem medo". Pinto o medo de noite e largo as estrelas sobre o lugar. Deito-me e sinto a brisa das palavras que me são ditas ao ouvido.
É infinito o poder de uma carta de amor, não achas, Ofélia?