segunda-feira, 10 de maio de 2010

...um dia roubo a Páscoa.

"Pão quente e uvas, é do que me lembro quando penso nessa terra", diz-me a filha de uma cliente, colando mais um cromo de histórias numa caderneta de memórias já gasta. 

Numa frase, volto a Pinhel. O consultório molda-se ao odor perdido e volto à pequena sala de jantar onde na Páscoa, à espera do almoço de Domingo, descansavam os pastéis do Egipto. Proibidos, enchiam o ar de pecado que se transformava em saliva, na boca repleta de desejo.

A Páscoa era assim: um cheiro de bolos misturado com a lenha seca, barulhenta, a braseira a matar devagar, as corridas de casa em casa a visitar velhas senhoras carregadas de histórias sequestradas ao futuro. A paixão vestia-se de roxo, Judas ardia na praça e o coração tremia de vida.

Perco-me na imagem roubada. Com o cheiro quente das uvas de Setembro, chegam-me as tardes irrespiráveis, de calor seco, pintadas com fotografias de mulheres estranhas que nos atiravam, implacáveis, os traços em que nos iríamos tornar. Quanto mais longe nos sentíamos daquele passado, mais perto ele estava de nos apanhar.  

Volto a Pinhel, a uma casa fechada que acolhe lenços onde os lábios deixaram segredos, postais irreconhecíveis, cartas sem remetente, flores secas por entre páginas anónimas. Não há sótão nem cave, apenas um corredor que cospe quartos e salas de paredes brancas, impávidas guardadoras de vidas.

Fecho a porta devagar, sem ruído. Não as quero acordar.

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá!
Ainda bem que estás de volta!!
...Já tinha (e tenho) saudades!

Beijinhos
MJB

Anónimo disse...

não sei o que passou... já tinha deixado este comentário! ... mas só agora vi que não tinha entrado!
vamos ver se é desta!
Bjs
MJB

Sofia M disse...

Bem, por momentos achei que te tinha perdido...Ainda bem que aí estás! Também gosto de saber de ti. Beijos