Lobito, 1972-73
(talvez uma das recordações mais antigas)
Tap...tap...tap
tap...tap,tap, tap...tap,
Os indicadores da Tia Manecas,
a bater no volante do carro.
Uma caixa de viagem
que nos mudava de mundo.
Ao fim da tarde,
nem sempre
(porque as tarefas eram partilhadas entre um Mini Moke e um Autobianchi café com leite),
os dedos nervosos da Tia Manecas
contrastavam com o cabelo estático, atento.
E denunciavam o ritmo de um coração cheio.
Ora harmonioso,
tap, tap, tap
ora contrastante no desejo
taptaptap tap tap taptap
Os polegares colados ao volante.
E aqueles indicadores:
tap-tap-tap-tap,
como pestanas,
limpavam-me o olhar
e traziam-me o ritmo da vida,
o compasso da dança do fim da tarde.
Ao som do riso,
das histórias atropeladas,
do cheiro a mar,
das cores garridas.
Aqueles indicadores,
tap,tap,tap,
tap...tap...tap
taptaptap
Nervosos,
precisos,
tão conscientes da função
e tão longe da realidade.
Ali,
a marcar o passo de uma vida que parecia infinita.
Ali,
a brincar com o tempo.
Tap, tap, tap.
E os minutos a correrem,
irónicos...
Tap, tap, tap, tap.
Na ponta daqueles indicadores,
no segundo preciso que desenham o ar,
volto ao calor.
Às pedras polidas do colégio,
à azáfama do fim da tarde,
à ilusão de uma vida que se escolhe.
Ali,
na ponta daqueles indicadores,
volto a ser feliz.
24 de Fevereiro de 2015